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O Horizonte de Eventos (primeira parte)

I


Aquele banco de madeira no parque da cidade costumava estar ocupado por uma jovem mulher. Um observador muito atento até poderia dizer que a própria madeira se tornava mais acolhedora todas as vezes que aquela jovem mulher descansava ali, depois do trabalho ou durante os fins de semana. O seu nome era Paula e naquele dia estava extremamente feliz. Eram seis da tarde de um 21 de Outubro qualquer e ainda fazia um sol que tornava agradável a brisa que lhe soprava na cara.


A filha era muito parecida com ela: era morena e tinha olhos verdes. E, certamente, com o passar do tempo, seria muito mais bonita que a mãe. Era exatamente isso que Paula desejava para ela, olhando para ela todos os dias. E quando aqueles lindos olhos se reflectiam no seu olhar, ela queria com toda a força que Elena tivesse uma vida melhor que a sua. Nunca tinha sido uma mãe apreensiva; adorava que a sua pequenina fosse descobrindo o mundo sozinha, pouco a pouco, sabendo que a mãe estaria sempre ali, no seu campo de visão, sempre que fosse necessário.


Elena, naquele momento, estava a brincar com dois meninos perto de um baloiço. Os sentidos de Paula activaram-se de imediato, sem qualquer razão aparente, mas já não a tempo. Viu a filha aproximar-se demasiado, de costas, em direção ao outro menino que estava naquele baloiço. O choque foi inevitável. O menino bateu-lhe com o assento de madeira na cabeça e Elena voou para o chão. Paula tentou levantar-se rapidamente mas não conseguiu. Deu-lhe uma dor de cabeça incrível de repente e, depois de alguns segundos, a sua visão turvou-se, tudo ficou negro e caiu sobre o manto de folhas na relva.


II


Se pensarmos bem, todos os dias são, em teoria, perfeitamente iguais: 24 horas de tempo que passam devagar. No entanto, a cada dia acontece uma multidão de eventos que tornam muito difícil, quase impossível, que um dia seja totalmente igual a outro. Às vezes a carga de emoções que sentimos num dia em concreto pode chegar a transformar esse período de tempo insignificante num ponto de viragem que marca a nossa vida.


Paula abriu os olhos. Tinha tido uma espécie de momento de ausência. Não sabia explicar muito bem o que acabava de lhe acontecer. Sacudiu a cabeça e perdeuse nos seus pensamentos. Gostava muito daquele banco, era o seu lugar preferido. Ali sentada, tinha passado muito tempo da sua vida, sozinha ou acompanhada, deprimida ou contente. Tinha visto muitas vezes a árvore que estava mesmo ali ao lado a florescer. Eram infinitas as folhas que tinha visto cair durante o outono. Felizmente, nunca lhe tinha calhado ver os ramos cobertos de neve, já que não gostava nada de frio.


A jovem mulher baixou o olhar e voltou a ler com grande concentração a sua revista científica. As novas descobertas alimentavam muito a sua curiosidade e o artigo que estava a ler fez-lhe arrepiar toda a espinha. Alguns cientistas tinham descoberto o “horizonte de eventos”.


As palavras que os autores usavam para descrever esse fenómeno físico, continuou a ler Paula, eram as seguintes: “uma fronteira do espaço-tempo que rodeia um buraco negro, um ponto imaginário de não retorno a partir do qual o que se encontra dentro do limite não tem possibilidade de escapar. Nem a luz consegue, presa pela imensa gravidade do núcleo. Assim, o que está fora não pode olhar para dentro, porque não há nada para ver. Os eventos de um lado da fronteira não podem afectar de forma alguma um observador situado do outro lado. É a barreira mais impenetrável que existe.” A jovem mulher sentiu uma vertigem ao ler estas palavras e também uma sensação muito estranha que não soube identificar.


Fez uma pausa e ergueu o olhar. Os seus olhos brilharam. Há já quatro anos que a sua filha lhe oferecia momentos de pura ilusão, algo que na sua vida tinha sido bastante escasso. Tinha-se mudado para a cidade quando ainda era muito jovem, quando os anos que viveste ainda não te permitem ver as coisas como verdadei-ramente são. Teve pouca sorte com amigos e namorados mas agora tinha a Elena e não precisava de mais nada. E aquele banco tinha-se tornado num lugar ainda mais importante, já que dali podia ver a filha a brincar com as outras crianças na zona do parque infantil.


Aquela sensação estranha que tinha tido uns segundos antes, intensificou-se de repente. Paula levantou-se com uma ligeira inquietação no interior. Improvisadamente sentiu uma necessidade imensa de abraçar a filha. Aproximou-se da vedação que separava a relva do parque infantil e gritou em voz alta: «Elena, querida, vem aqui um momento, por favor!».


A menina ficou surpreendida com o timbre tão alto da voz da mãe. Parou um segundo e refletiu ingenuamente sobre se teria feito algo errado. Não se lembrou de nada e começou a correr para a mãe. Não se apercebeu que um menino, sentado num baloiço de madeira, vinha a toda velocidade na direção da sua cabeça. Não conseguiu perceber porque estava a pensar na mãe e se ela a iria repreender por alguma coisa. O choque foi inevitável e a menina caiu no chão. Os olhos de Paula reviraram-se. Tentou gritar algo, abrindo a boca, mas não conseguiu. Uma dor de cabeça incrível atingiu-a e, de repente, fechou os olhos e caiu ao lado da vedação.


...continuará no próximo fascículo.

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Stefano D'Alessio